Pelas montanhas de mármore de Carrara

Carrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre
Montanhas de Carrara vista do vilarejo de  Colonatta

À primeira vista, olhando as montanhas de longe, os picos parecem nevados. Mas ainda é final de verão na Toscana, e não há neves eternas por aqui. O branco que reluz ao sol é mármore, o precioso mármore branco de Carrara. Foi em uma dessas montanhas ao norte de Pisa que, bem no início do século XVI, Michelangelo escolheu o bloco de mármore no qual esculpiu o seu Davi, que pode ser visto em Florença.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

Cavernas de mármore de Carrara

As cavernas de mármore continuam fornecendo a pedra branca para o mundo inteiro, movimentando milhões de euros a cada ano. E hoje também servem a propósitos turísticos: é possível fazer um divertido passeio off-road pelas montanhas para ver de perto como é a impressionante extração do mármore. Além da pedra, as montanhas de Carrara guardam outra preciosidade branca, o lardo, uma espécie de bacon curado, característico da cidade de Colonatta. O branco sobre branco justifica a escapada para essa região menos visitada da Toscana, mas nem por isso menos encantadora.

Pedra nas cavernas, porco macio fora delas

Carrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre
No passeio nas montanhas

A cidade de Carrara, a cerca de uma hora ao norte de Pisa, é a base ideal para fazer um passeio pelas montanhas de mármore que ocupam dois mil hectares nas franjas dos Alpes Apuanos. Há diversas opções de roteiros com duração, preços e veículos variados. Fiz um tour em um Land Rover Defender que durou uma manhã e começou com uma visita a um dos muitos ateliês da região.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

Um dos ateliês de mármore

É possível ver o trabalho dos artistas e obras em andamento ou mesmo prontas, dos mais variados tamanhos. No ateliê visitado, a maioria das esculturas seguia a temática religiosa, mas aqui e ali havia uma peça mais diferente. Chamava a atenção um grande moai, como os da Ilha de Páscoa, só que de mármore.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

Blocos de mármore dentro das cavernas

Depois da ida ao ateliê, começa a parte realmente divertida (e suja) do roteiro, montanha acima por estradas sinuosas que vão ficando cada vez mais estreitas. O visual é incrível, bem diferente de qualquer outro tipo de passeio na montanha. No topo, a bruma dá um ar ainda mais fantástico ao picos de mármore. É possível entrar com o 4×4 em algumas cavernas, e inclusive desembarcar. O chão é totalmente enlameado. Lama de mármore branco, mas ainda assim lama, e há poças por toda a parte. Vá com um calçado confortável do qual possa prescindir e com uma calça comprida resistente. A lama seca e vira pó, ficando fácil de limpar, mas o processo leva alguns dias.

No topo de uma das montanhas
No topo de uma das montanhas

O passeio de carro por dentro de uma caverna é muito bacana, mas pode ser também um pouco claustrofóbico. Se isso for um problema, é importante se informar antes sobre a duração do passeio e o quão fechada é a caverna. Os guias estão acostumados com passageiros claustrofóbicos, e geralmente há um lugar do lado de fora onde se pode aguardar o grupo voltar do interior da montanha.

Mas não deixe a fobia afastá-lo do passeio. Do lado de fora, também é muito interessante ver o processo de extração dos imensos blocos de mármore. Alguns paredões recortados lembram quadros de Mondrian. É possível fazer o passeio de forma independente. Há cavernas nas quais você chega com o seu veículo até a entrada, e só ali pega um tour guiado para ver a escavação no interior da montanha. E ainda há a opção de fazer trilhas a pé pela região.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

O lardo no tanque de mármore e no prato

Depois do mármore em pedra, pó e lama, é hora de explorar o delicioso “mármore” macio. O lardo di Colonatta, uma espécie de bacon branquíssimo servido em fatias finas, é uma especialidade e está nos cardápios de todos os restaurantes — assim como o vermentino, o vinho branco da região. Mas vale fazer uma visita ao vilarejo de Colonatta, no alto de uma montanha. Além de a vila ser lindinha, os produtores estão sempre por ali dispostos a bater papo e explicar como o porco vira lardo.

A gordura vem do lombo do animal, e não da barriga, e é curado por 180 dias em imensos tonéis — de mármore, claro, com tampas de aço — com azeite, sal, pimenta, alecrim e outros temperos. Se tiver a oportunidade de entrar em uma cave de pedra para ver como é, vá sem medo. O cheiro das especiarias é tão bom que você até esquece que aqueles tanques estão cheios de gordura.

E não deixe de experimentar. Pode ser comido puro, fatiado como qualquer presunto, com pão ou salada, ou em pratos diversos, como com camarão, por exemplo. O lardo quase derrete na boca, de tão macio. Também dá para incluir no roteiro visitas a vinícolas da região. Os ensolarados vinhedos nas montanhas ocupam uma área de 1.800 hectares, com três denominações diferentes.

Mármore no chão, na praça e no café

Café no Centro de Carrara
Café no Centro de Carrara

As montanhas que podem chegar a dois mil metros de altitude são a principal razão para ir até Carrara, mas também vale visitar a cidade de 65 mil habitantes, que tem um importante porto comercial no Mar Mediterrâneo e vive principalmente do transporte de mármore. O ideal é dormir uma noite na região, para fazer os passeios com calma — o sobe e desce de montanhas é sempre cansativo. Além disso, o centro histórico da cidade é uma graça.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

Mármore no vaso de planta e na faixa de pedestres

O mármore, como se pode imaginar, está por toda parte, de museus a estátuas, bancos, vasos de plantas e fontes de rua, passando pelo Duomo em estilo romano e pelo prédio dos Correios, ambos com fachadas em mármore. Até as faixas de pedestre, que de longe parecem pintadas de branco, como na maioria dos lugares, em Carrara são feitas de mármore.

Mercúrio na Academia
Mercúrio na Academia

Na Academia de Belas-Artes, instalada em um palácio do século XVI, é possível ver moldes de gesso feitos por artistas como Canova e esculturas em mármore negro de Colonatta, que já não existe mais — o branco não dá sinais de que vai acabar. Na estreita Via Santa Maria, ferramentas nas fachadas das casas coloridas em tons de terra com janelas pintadas de verde indicam os ofícios dos moradores do passado. Outras peças, como colunas e desenhos, destacavam suas habilidades. Uma placa de mármore registra a casa na Piazza del Duomo onde Michel Angelo Buonarrotti, o Michelangelo, costumava se hospedar quando ia às compras na região.

Carrara, Toscana / Foto de Carla LencastreCarrara, Toscana / Foto de Carla Lencastre

Os ofícios e a hospedagem do mestre

Na linda praça principal, com piso de mármore e cercada de palácios, cafés simpáticos com mesas (também de mármore) ao ar livre acolhem os moradores e visitantes do presente. No verão, a região recebe muitos turistas em busca de sol e mar. Mas, para quem tem o litoral brasileiro por perto, o melhor programa é ir mesmo para as montanhas de Carrara.

Como chegar

De carro: Carrara está a cerca de uma hora ao norte de Pisa, pela autoestrada A12.

De trem: A viagem de Pisa a Carrara-Avenza dura em torno de 40 minutos.

(Versão atualizada de texto originalmente publicado na revista Boa Viagem, do jornal O Globo.)

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