
Quando entrar setembro no Hemisfério Norte, cães farejadores sairão em busca das preciosas trufas brancas, que fazem a fama de cidades italianas como Alba, no Piemonte, e San Miniato, na Toscana. No meio do caminho entre Florença e Pisa, a uma hora ou menos de cada uma, na pequena San Miniato, até o início do inverno, visitantes podem acompanhar trufeiros e seus cães valiosos pelos bosques da região. Ou simplesmente pedir um prato com trufas em um dos restaurantes locais. No outono de temperatura amena, as deliciosas trufas estão por toda a parte, dos bosques aos cardápios, passando por uma variedade de produtos, do sal ao mel, que podem dar um gosto de outono toscano ao ano inteiro.

A torre de San Miniato, na entrada da cidade de pouco menos de 30 mil habitantes, destaca-se ao longe. Como toda cidadezinha toscana no topo de uma colina, há um bonito casario espalhado pelas ruas estreitas e tranquilas do centro histórico medieval e duas ou três construções mais imponentes com fachadas, esculturas e histórias interessantes. A torre, por exemplo, originalmente construída no século XII por Frederico II — o que lhe rendeu a alcunha de Torre di Federico — foi destruída por um bombardeio na Segunda Guerra, e reconstruída em 1958. Já a Catedral de Santa Maria Assunta e San Genesio, simples por fora, tem um teto barroco, recoberto de folhas de ouro. Mas o que faz San Miniato chamar a atenção no mapa da Toscana é sua extraordinária vocação gastronômica em uma região italiana onde, de modo geral, come-se muito bem.

A trufa branca (Tuber magnatum pico) é protagonista do outono, quando a cidade sedia um famoso festival da trufa, que dá destaque também aos produtos em couro, importante fonte de renda local. Ao longo dos 12 meses do ano, carnes, linguiças e salames de excelente qualidade, acompanhados de bons azeites e vinhos, e um restaurante que vale o desvio, o Pepenero, do chef e celebridade Gilberto Rossi, justificam a viagem. A enogastronomia é uma das principais fontes de renda de San Miniato.
No açougue de Falaschi
O passeio gastronômico pode começar pela macelleria Sergio Falaschi, aberta em 1925. Um dos precursores do slow food na Toscana, o simpático Falaschi atrai visitantes de todas as partes do mundo ao seu açougue, onde vende linguiças e salames saborosos, com provinhas espalhadas pela loja. Os animais são de fazendas da região, e o produto mais famoso é o mallegato, feito com sangue de porco e passas. Ao longo do ano, Falaschi também promove em seu açougue eventos de poesia e música, nos quais os artistas se apresentam em meio aos presuntos curados com alho, sal e pimenta e aos embutidos pendurados pela pequena loja.
À mesa no Pepenero
Para provar os cortes de carne de boi e porco à venda na macelleria, escolha um dos restaurantes locais. Perto dali, fica o excelente Pepenero, casa de cardápio com toques criativos, comandado pelo chef e celebridade da TV italiana Gilberto Rossi. Uma portinha insuspeita leva às salas, abaixo do nível da rua, que desembocam em um delicioso terraço com vista para o campo toscano. A decoração é moderna, com mesas de madeira escura, cadeiras brancas e copos de água coloridos; o piso é em madeira, e o teto, abobadado, em tijolos aparentes. No dia do meu até hoje inesquecível, de tão bom, almoço no Pepenero, o sorridente Rossi estava na cozinha semiaberta, comandando a equipe.
A refeição começou com salames e linguiças produzidos por Falaschi, e queijos e bruschettas com tomate fresco, temperados com ótimos azeites extravirgem Privilegio Toscano (que tem o selo de origem IGP, de Indicazione Geografica Protetta), fabricados em uma fazenda nos arredores de San Miniato. O primo piatto foi glorioso: um tagliolini no ponto perfeito coberto com muitas e muitas finas lâminas de trufas brancas. Na continuação, um filé enrolado em bacon, com ovo de codorna frito e algumas lascas de trufas, acompanhado de um levíssimo creme de aspargos. O vinho era da vinícola Pietro Beconcini, também da área de San Miniato: Ixe, um tinto de uva tempranillo, originalmente espanhola. De sobremesa, semifreddo de baunilha com alecrim e calda de morango. Tudo isso acompanhado de um ótimo serviço.

Se você quer um contato mais, digamos, rústico com as trufas, vá caçá-las. Até meados de dezembro há vários lugares que organizam o programa. É muito divertido. Minha experiência foi com a Savini Tartufi, em Forcoli, uma conhecida empresa familiar que está na região desde a década de 1920 e tem no currículo um recorde de preço: em 2007, um único exemplar de 1,5kg das terras da família Savini foi arrematado em um leilão por US$ 330 mil, pagos por Stanley Ho, dono de um cassino em Macau. Quem encontrou a trufa, que entrou para o Livro Guinness de recordes mundiais, foi o tartufaio Luciano Savini.
A “caçada” dura cerca de uma hora e tem que ser marcada com antecedência. Evite a parte da tarde: os cachorros (que podem valer até € 10 mil) já estão cansados, e a chance de serem bem-sucedidos é menor. E lembre-se de usar roupas adequadas para caminhar bosque adentro. Calças compridas e calçados fechados são fundamentais, repelente de insetos também. Na volta da expedição trufeira, uma parada na lojinha é inevitável. Difícil resistir a manteiga com trufa branca, azeite com trufa, sal com trufa, mel com trufa…
(Versão atualizada de texto originalmente publicado na revista Boa Viagem, do jornal O Globo.)